Seria a política do confronto a única saída?
Acompanhamos, nos últimos dias, a operação policial orquestrada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Classificada como “um sucesso” pelo governador Cláudio Castro, a ação deixou mais de 120 mortos – incluindo quatro policiais –, 113 presos e 91 fuzis apreendidos. Segundo o governo, o objetivo era frear a expansão territorial do Comando Vermelho e cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes da facção.
O que define, porém, o “sucesso” de uma operação desse tipo? A resposta depende das métricas utilizadas e da perspectiva de quem avalia. Não pretendemos decifrar o critério adotado pelo governador, mas o senso crítico aliado a informações básicas sobre segurança pública nos obriga a levantar questões fundamentais: essa é realmente a forma mais eficaz de enfrentar o crime? O que a política do confronto nos ensinou ao longo de décadas no Rio de Janeiro?
Em operações como essa, além das vidas inocentes perdidas – moradores e policiais –, há danos profundos que costumam ser ignorados. A população desses territórios normaliza o conflito armado. Crianças crescem traumatizadas, adultos desenvolvem distúrbios emocionais, escolas fecham, comércios paralisam, e toda a dinâmica social é corroída pela incerteza cotidiana.
E vale lembrar: o controle territorial armado não se resume à venda de drogas. Ele envolve controle social, imposição de regras, toque de recolher, extorsão, cobrança de taxas e um ecossistema paralelo de violência e coerção. Quando o Estado entra atirando e sai sem deixar nada estruturado, ele não oferece aos moradores qualquer expectativa de um futuro minimamente melhor. Não há substituição de poder, apenas um hiato entre duas formas de violência.
É mais cinematográfico “combater o traficante da comunidade”, mas é preciso dizer o óbvio: os chefões das facções não estão ali. A política do confronto mira quem está na ponta, não quem está no topo. Isso não é uma relativização do criminoso da comunidade; eles também são perigosos e devem ser presos. Mas fazem parte da camada mais substituível de um sistema completamente comprometido. Se um cai, outro rapidamente ocupa seu lugar.
Há, porém, posições dentro da estrutura criminosa que não se substituem com facilidade: os elos intermediários e superiores dessa cadeia, que conectam o crime às finanças, aos grandes negócios, à logística e à política. Essa elite criminal, que raramente é alvo de operações, garante proteção, fluxo de dinheiro, conexões empresariais e blindagem institucional. Ou seja, é a cobertura que impede que as grandes redes sejam desbaratadas.
O desmantelamento das áreas controladas pelas facções só deveria ser pensado a partir da conformação dessas redes criminais. Sem atacar essa engrenagem, qualquer ação armada se torna apenas um espetáculo.
Em 2024, o Brasil gastou um total de R$ 153 bilhões[1] em segurança pública. Esse valor equivale, aproximadamente, ao faturamento da Vale no mesmo período, uma das maiores empresas do país. Não há números na política do confronto – seja de mortes, prisões ou fuzis apreendidos – que justifiquem tal investimento.
O sufocamento sustentável do crime organizado precisa ser financeiro. Com investigação, inteligência e monitoramento de fluxos de dinheiro, novos caminhos se abrem. A Operação Carbono Oculto, deflagrada pela Receita Federal com apoio de outros órgãos, é um exemplo claro. A partir de investigações sobre o mercado de créditos de carbono, chegou-se a R$ 30 bilhões ligados ao PCC – e isso sem um único disparo. A operação escancarou que o crime organizado opera em mercados muito mais sofisticados do que o imaginário popular supõe.
Deixo aqui uma provocação ao governador do Rio:
Se sabemos que uma das principais fontes de renda do Comando Vermelho é a máfia dos combustíveis, o que o Governo do Estado tem feito para desmantelá-la? Tentar desmantelar facções criminosas sem atacar os donos do dinheiro não é política de segurança. É política de espetáculo.▪️
Gustavo D. Santos
[1] Dado do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025.
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